segunda-feira, 14 de maio de 2018


Corromper para apanhar corruptos...

Em artigo no JN, Noronha do Nascimento, juíz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, tece judiciosas considerações acerca do funcionamento da justiça brasileira, quando comparada com a europeia.

Dando o caso Lula como exemplo, diz que "Ele assume o notório aspecto de uma manipulação dos tribunais para obter dividendos políticos, mas o que sobressai à cabeça são dois aspectos que a Europa  não admite, a saber: a) quem investiga um crime não o pode julgar; b) a delação premiada não é permitida.

Quem investiga um crime nunca o julga porque, ao investigá-lo, fica influenciado pela convicção que vai formando, tornando-se parcial em face da prova que recolheu; e porque o juíz tem de ser imparcial quando julga, ele nunca pode investigar o que vai julgar a seguir.

Esta regra não tem excepções na Europa: nem a polícia, nem o MP, nem o juíz de instrução que investigam podem julgar o que investigaram. É a mesma regra que impede que um juíz que assiste a um crime o possa julgar depois; ele é testemunha e, como tal, não o pode julgar.

Não é assim no Brasil. Aqui, o juíz investiga o crime e julga-o a seguir em primeira instância, certo como é que na maioria dos casos os factos decisivos para a sentença são fixados na primeira instância; se o juíz, depois de investigar, envia o arguido para julgamento porque se convenceu da sua culpa é quase certo que o condenará. Com isto o contraditório é secundarizado porque o juíz pouco acredita na versão do arguido, e a sua imparcialidade é atingida porque ele parte para o julgamento com opinião formada.

Pior se lhe juntarmos a delação premiada, que mais não é senão a legalização da corrupção, que é um acordo entre duas ou  mais pessoas ou entidades, para que algumas delas obtenham vantagens ilícitas, vantagens que podem ser patrimoniais ou não patrimoniais.

Na delação premiada é justamente isso que acontece: o investigador promete ao arguido que, se este contar a versão que de outro modo não contaria, o liberta de qualquer punição ou lhe reduz a pena. Daí que a delação premiada seja, verdadeiramente, uma corrupção legalizada pelo tribunal. Mas o problema maior surge quando o delactor conta uma versão falseada que interessa ao investigador ou a si mesmo para salvar a pele”.


Amândio G. Martins

3 comentários:

  1. Quanto a quem julga não dever ser quem acusa, estou de acordo. Quanto à chamada "delação premiada", reconhecendo que as palavras são "feias", ressalvo que quem conta factos pode ser aproveitado pela Justiça mas (Atenção!) com PROVAS identificadas como válidas do que diz! E sem prémio por isso.

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  2. Instituír uma coisa dessas, sejam quais foram as circuntâncias, é abrir a porta a todo o tipo de vinganças e trafulhices!

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    1. Acho que o que escrevi não deixa dúvidas sobre as condicionantes que deviam existir, a haver uma eventual lei. Desde o nome à apresentação de provas e à ausência de prémio. Acrescento que as leis são muito mas a ausência delas também o é. Veja-se o enriquecimento ilícito e o sigilo bancário. Também, dizem alguns, que "abririam as portas" a muita coisa mas é precisamente isso que é necessário fazer... abrir "portas esconsas". E, se o perdão é ganho, para os católicos, com umas "avé-Marias" após a catarse do confessionário, porque não aceitá-lo para os arrependidos verdadeiros que, ainda por cima, ajudam a sociedade a descobrir "maraus"?

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